segunda-feira, 31 de março de 2014

Para morrer é preciso estar vivo

Passei a manhã na unidade de cuidados paliativos. Um corredor cheio de quartos, onde estão doentes que não vão chegar às chuvas do mês de Abril. 
Ia preparada. Já levava a força mental e o escudo da ironía preparados para o que fosse. Também levava (escondida) uma secreta vontade de testar as minhas leves convicções sobre a eutanásia. Queria saber se eutanásia e a caridade podem ser irmãs.
Posso dizer que voltei para casa, mais rica do que quando me levantei hoje da cama. Que voltei para casa com uma convicção clara, coisa que nunca tive sobre o assunto, de que a eutanásia vive mascarada de caridade, mas é um arma perigosa do egoísmo e do cansaço.
Por um lado, conversei com a médica que me aturou toda a manhã (uma médica extraordinária, que vive naquele contexto todos os dias e que não lhe falta um sorriso. uma pessoa extraordinariamente humana e sensível, que ainda por cima me levou a toma o pequeno almoço!!). Falámos sobre isso só um bocadinho, mas ela disse uma coisa que me marcou profundamente: " Espero nunca ver a eutanásia legalizada neste país. A eutanásia é perigosa e não protege os mais velhos. No dia em que isso acontecer é muito fácil as famílias livrarem-se do peso que é uma pessoa velhinha doente".E mais: "Aprende isto: ninguém quer morrer, as pessoas só não querem sofrer." e para isso estão os cuidados paliativos.
Posso prometer que isso é verdade. Hoje, numa manhã inteira, entre gente que está bem perto do Céu, não vi uma lágrima e muito menos alguém que fosse deixado em sofrimento. Vi uma força extraordinária em cada doente, uma clara vontade de viver e de lutar pela vida. Uma alegria e uma satisfação, em situações de vida que nos angustiam só de pensar. Uma força, uma luta tão instintiva como chorar quando se vem ao mundo. 
Hoje aprendi que morrer não é o último suspiro, mas sim o caminho até lá. Que morrer toca a todos e que todos temos esse direito, o direito de morrer e demorar o tempo que nos apetecer a fazê-lo. Encurtar esse tempo é roubar-nos uma parte da vida, que ainda temos para viver. 

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