sábado, 12 de abril de 2014

Primeira vez

A minha primeira vez foi com o Narciso. Gritou o tempo todo e ao fim de 4 minutos estava morto. 
"Dizem" que só se é médico de verdade depois de se matar um paciente. Suponho que isso não seja bem assim. Imagino que a maioria dos médicos não matem ninguém, a vida toda. Espero que isso seja verdade e rezo para nunca calçar esses sapatos.
Uma vez, uma professora disse-nos que todos íamos cometer um erro ao longo das nossas carreiras. É rezar para que seja pequeno.
Quanto ao Narciso... Bem, posso dizer que já eram 5.30h, que estava cansada e que não fazia a menor ideia do que fazer.
Mostraram-nos um caso clínico, lemos a história e entrámos (a Maria e eu) no quarto onde o Narciso passa os dias. Ele gritava, suava, tremia. Nós tremiamos ainda mais. A "enfermeira" só nos perguntava o que queríamos que fizesse. A minha cabeça estava vazia. Toda a teoria, que já por si é pouca, fugiu naquele instante.
Nem se me ocorreu perguntar-lhe o que se passava. Primeira regra: trata-se o paciente e não a doença. Eu ia tratar o shock séptico e não o Narciso. 
Olhei para as análises que eram o oposto do que esperava. Foi-se o diagnóstico por água abaixo. Tivesse-me preocupado em rever a história clínica e tudo faria sentido. 
Auscultei o narciso, mas não parei para ouvir. 
E quando a enfermeira me perguntou quando oxigénio lhe devia dar respondi: "15". Mais tarde, a professora lá disse que o ar por si, tem 21% de oxigénio, ou seja ao dar-lhe quinze estava a privá-lo ainda mais. A Maria lá gritou um 100%, o que também foi bastante ao lado...
Ao fim de 4 minutos, ouvimos: "O vosso paciente morreu". Nem me tinha dado conta, confesso.
E a simulação acabou.
Am I in the right place?

2 comentários:

  1. Narciso na morgue: http://zetaestaticos.com/mediterraneo/img/noticias/0/865/865062_1.jpg

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  2. Adoro que o boneco tenha nome!

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